FOLHA DE SÃO PAULO
GUIA FOLHA - LIVROS, DISCOS, FILMES
CAIO LIUDVIK
O PAÍS DOS CEGOS
Esse livro de contos realça o poder de penetração de H. G. Wells nas camadas profundas do imaginário social. Poder que ficou patente no episódio célebre: seu romance "Guerra dos Mundos", tratando de uma invasão alienígena, espalhou pânicoem Nova York , décadas antes do 11 de setembro de 2001, quando adaptado e transmitido por rádio em 1938, por ocasião do Dia das Bruxas.
Já em "O País dos Cegos", conto que dá nome à presente coletânea, vemos o delírio como que incrustado na estrutura profunda da mentalidade coletiva. Este país dos cegos é como a caverna de Platão, em que moradores habituados às trevas levam vidas pacíficas, limitadas mas satisfeitas, que serão abaladas pelo indivíduo que viu a luz.
Outro paralelo que poderíamos fazer é com o verso de Pessoa, aqui no seu inverso: ver, para esses cegos, é estar doente do pensamento, na medida em que nos arranca da proteção quimérica do teto da "sabedoria suprema" e nos revela a imensidão fria e vazia do universo.
AVALIAÇÃO – ÓTIMO
Esse livro de contos realça o poder de penetração de H. G. Wells nas camadas profundas do imaginário social. Poder que ficou patente no episódio célebre: seu romance "Guerra dos Mundos", tratando de uma invasão alienígena, espalhou pânico
Já em "O País dos Cegos", conto que dá nome à presente coletânea, vemos o delírio como que incrustado na estrutura profunda da mentalidade coletiva. Este país dos cegos é como a caverna de Platão, em que moradores habituados às trevas levam vidas pacíficas, limitadas mas satisfeitas, que serão abaladas pelo indivíduo que viu a luz.
Outro paralelo que poderíamos fazer é com o verso de Pessoa, aqui no seu inverso: ver, para esses cegos, é estar doente do pensamento, na medida em que nos arranca da proteção quimérica do teto da "sabedoria suprema" e nos revela a imensidão fria e vazia do universo.
AVALIAÇÃO – ÓTIMO
ENSAIOS DE TEODICEIA
Que Deus sábio e misericordioso é esse que cria um mundo de terremotos, guerras, doenças e miséria? E que ousadia é essa de chamar a criação de o "melhor dos mundos possíveis"? O tom indignado dessas perguntas reflete a dificuldade de ler sem as lentes de Voltaire a "Teodiceia" (1710) de G. W. Leibniz . Em "Cândido", publicado depois do terrível terremoto de Lisboa (1755), Voltaire faz a caricatura de Leibniz no dr. Pangloss, mestre do otimismo idiota. Para além do anacronismo, podemos admirar a profundidade do esforço de Leibniz em sua "teodiceia" (justiça divina).
Gênio metafísico, lógico, matemático, ele tenta mostrar que o mal é necessário num mundo que, se não é o próprio Deus, não poderia ser perfeito como Deus. Um mundo em que o mal realça e prepara ao bem, assim como a sombra revela a luz. Um mundo em que Deus nos dotou de livre-arbítrio, e portanto da contingência e do risco entre alternativas, melhores e piores. Um mundo em que a consciência religiosa, por mais que se esclareça e abasteça das ferramentas da razão, não pode prescindir da humildade da fé, como toda virtude que nasce na precariedade.
AVALIAÇÃO - ÓTIMO
ORIGEM E DESTINO
Um dos maiores nomes da sociologia após os clássicos Marx, Weber e Durkheim, Pierre Bourdieu (1930-2002) é tema dos quatro ensaios desta obra do professor da USP Afrânio Mendes Catani. Um dos eixos de discussão é justamente a relação de Bourdieu com os pais fundadores. Catani faz, em sua defesa do autor de "A Reprodução", um interessante paralelo com o "ecletismo bem temperado" de Florestan Fernandes.
Apesar da aura sagrada da Trindade dos pioneiros, não se trata de demiurgos à
Catani resgata também aspectos da biografia de Bourdieu que influenciaram sua crítica ao conservadorismo do sistema escolar moderno.
AVALIAÇÃO – ÓTIMO
MICHAEL KOHLHAAS
Uma "história alemã sobre a paixão intrínseca ao anseio por continuar tendo razão". Assim Peter Sloterdjik, em "Ira e Tempo", se refere à novela "Michael Kohlhaas" (1810), que fala sobre um virtuoso comerciante de cavalos que, roubado por um fidalgo, parte em busca de justiça, a ponto de se transformar em justiceiro (tema hoje tão presente no noticiário urbano brasileiro).
A obra célebre de Heinrich von Kleist é uma prefiguração aziaga das barbáries dos séculos 20 e 21; um estudo da lógica passional que toma de assalto o homem prisioneiro do mundo racionalmente administrado. O personagem de Kleist é, como seu criador, aturdido pela "penúria do mundo" (uma crise decisiva para o escritor foi descobrir lendo Kant o abismo entre os reclamos da razão humana e o caos universal).
Somos "civilizados" na epiderme das leis, mas não nas pulsões profundas, de ira e vingança, que o Estado deveria transcender, mas das quais parece debochar –sobretudo quando, de olhos vendados, parece todavia se deixar seduzir pelo perfume dos privilegiados, dos amigos da lei ou do burocrata de plantão.
AVALIAÇÃO -ÓTIMO
Uma "história alemã sobre a paixão intrínseca ao anseio por continuar tendo razão". Assim Peter Sloterdjik, em "Ira e Tempo", se refere à novela "Michael Kohlhaas" (1810), que fala sobre um virtuoso comerciante de cavalos que, roubado por um fidalgo, parte em busca de justiça, a ponto de se transformar em justiceiro (tema hoje tão presente no noticiário urbano brasileiro).
A obra célebre de Heinrich von Kleist é uma prefiguração aziaga das barbáries dos séculos 20 e 21; um estudo da lógica passional que toma de assalto o homem prisioneiro do mundo racionalmente administrado. O personagem de Kleist é, como seu criador, aturdido pela "penúria do mundo" (uma crise decisiva para o escritor foi descobrir lendo Kant o abismo entre os reclamos da razão humana e o caos universal).
Somos "civilizados" na epiderme das leis, mas não nas pulsões profundas, de ira e vingança, que o Estado deveria transcender, mas das quais parece debochar –sobretudo quando, de olhos vendados, parece todavia se deixar seduzir pelo perfume dos privilegiados, dos amigos da lei ou do burocrata de plantão.
AVALIAÇÃO -ÓTIMO